sexta-feira, 11 de maio de 2012

ESPERANÇA?

Caros, a seguir, excelente texto do Prof. Édson André de Souza, da Psicologia da UFRGS, mencionado em aula nesta manhã. Acho que ele tem muito a nos dizer. Espero que apreciem. Abraços!

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Ainda há esperança?

Por Edson Luiz André de Sousa

O princípio esperança I. Ernst Bloch. Rio de Janeiro: Eduerj: Contraponto. 2005.

Ainda não é noite o dia todo, ainda há uma manhã para cada noite.
Ernst Bloch

“Que as coisas continuem como antes, eis a catástrofe!” Essa pérola de Walter Benjamin esquecida em um dos labirintos do monumental Paris, capital do século XIX
talvez seja uma das imagens mais precisas do que venha a ser o espírito do princípio
esperança que nos Ernst Bloch anuncia. Vivemos entre essa catástrofe apontada por
Benjamin com sua força destruidora que nos joga abruptamente de volta aos ritmos
já conhecidos da melodia do mundo triste, sempre tão igual, e a esperança de uma
outra manhã que surpreenda como algo novo. Bloch (1885-1977) é um dos grandes
pensadores da utopia e construiu em seus 92 anos de vida uma surpreendente
reflexão sobre a esperança, mostrando o quanto esse afeto/conceito foi negligenciado.

Ao delinear uma breve e densa história da filosofia, da história e da política, Bloch
mostra como o adestramento dos espíritos, pela maquinaria do funcionamento
social, enclausurou os sonhos em algumas vitrinas coloridas e esvaziou de tal forma
o espírito das utopias, que hoje usamos essa palavra quase para desqualificar uma
ação. Com esse livro, primeiro de uma série de três volumes, ele aposta ainda na
esperança e reafirma a força dos resistentes. Foi escrito entre 1938 e 1947 enquanto
a humanidade vivia tempos de grande destruição, e alguns sonhos foram queimados
de forma cruel em campos de extermínio. Bloch produz o texto como forma de eco
à tecnologia do mal que se desenhava em seu país. O livro, começa com cinco
perguntas que secas, diretas, essenciais – “Quem somos? De onde viemos? Para onde
vamos? O que esperamos? O que nos espera?” – soube esperar, pois só foi publicado
em 1959 com algumas revisões que o autor ainda pôde fazer. Bloch, assim, foi muito
cauteloso para penetrar a escuridão e poder sair, como ele mesmo diz, da paralisia de
nosso miserável conhecimento. Ele insiste em vários momentos do livro em afirmar
que há uma proximidade que turva o olhar da mesma forma como ao pé do farol não
há luz.

Sem um horizonte que nos acorde de nossa letargia acomodada não podemos
ver mais nada. Sem a provocação do amanhã não poderemos sair do castelo das
fatalidades descrito por Leibniz. Mas o fundamental é que se trata de um horizonte
que nos joga no aqui e no agora. Esse é, aliás, o princípio motor das utopias desde
Tomas Morus e sua ilha de sonhos. As utopias sempre foram ficções críticas que
queriam pensar o agora e transformá-lo. Bloch não se conforma a uma realidade que
nos indica que “sonho” precisamos sonhar para nos manter funcionando como
máquinas que esqueceram seu princípio de funcionamento. Há sonhos que paralisam.

Critica, portanto, o sonho diurno contemplativo disfarçado com as roupagens do
grande saber e que joga o sujeito contemporâneo em um eterno adiamento do viver.
É surpreendente que tenhamos esperado quase 50 anos para ter a tradução
dessa obra no Brasil. Como um livro que aborda o futuro demora tanto para chegar
em um país profetizado por Stefan Zweig como o país do futuro? Por isso, essa
publicação surge como a luz de uma estrela distante, mas ainda em tempo. Certamente
serão poucos seus leitores, pois ninguém, infelizmente, tem mais tempo e fôlego
para um livro de mais de 400 páginas. Os três volumes somam mais de mil páginas.

Aqueles, contudo, que se aventurarem nessa experiência fantástica encontrarão
imagens surpreendentes que Bloch vai buscar em inúmeros campos do conhecimento
e sobretudo na literatura. Imagens que nos convocam à ação e tentam substituir o
bafio do porão pelo ar da manhã, como nos lembra o filósofo. Assim, podemos
recuperar as imagens do sonho que move a vida e que nos faz acreditar ainda em um
outro mundo possível. Vivemos contaminados pelo ontem, pelo senso comum que
anestesia as potências criativas que todos em algum canto da alma possuem. A
utopia está tanto nos grandes movimentos sociais que a história já conheceu como
nos pequenos atos que podem revolucionar o dia de qualquer um de nós.

Superar o velho hábito confortável que nos conduz à mesma trilha no meio do deserto, dizer
o que ainda não se disse, imaginar o que ainda não existe é o que alimenta a
esperança. Bloch não negligencia esses detalhes em seu livro, mesmo que construa
como pano de fundo de sua reflexão uma densa análise das amarras que o capitalismo
teceu e, como contraponto, um outro pensamento inspirado sobretudo em Marx,
que apostava em uma humanidade socialmente possível. Recorre à arte indicando a
criação como a revolta necessária que nos conduz ao amanhã. Percorre inúmeras
obras na literatura, na música, no teatro, na dança, no cinema, nas artes . Reconhece
que é no ato de criação que a vida é possível, e assim podemos nos poupar um
pouco da morte, já que viver cada dia as mesmas coisas vai matando aos poucos.

São poucos os livros de Bloch disponíveis nas livrarias brasileiras, e a maior parte
de sua obra ainda continua inédita em português. Bloch quer pensar como se
constroem as realidades, as categorias do possível, o verniz das ideologias, o desperdício
das forças vitais capturadas no fatalismo interesseiro que diz: não há saída! “Quando
não se consegue achar uma saída para a decadência, o medo se antepõe e se
contrapõe à esperança”, diz Bloch. Medo e esperança são palavras presentes em nossa
história política recente. Diante panorama de catástrofe que país vem vivendo entre
a violência da esquina e a indecência nos bastidores da política, reação possível é
apostar na idéia de Bloch de que pensar é transpor. Pensamos com imagens. Assim
precisamos de novas imagens que redesenhem nossas vidas com o cuidado de não
aquecer a mesma sopa na panela nova. É catastrófico o relato de Thomas Bernhard de
que, retornando à escola depois da guerra, percebeu substituindo a fotografia de
Hitler um crucifixo. O prego, contudo, era o mesmo. Mudar o prego significa sonhar
para frente, já que o princípio esperança de Bloch aposta no que ainda não veio a ser.

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